quinta-feira, 29 de maio de 2008

Mais Quintana

Os parceiros

Sonhar é acordar-se para dentro:
de súbito me vejo em pleno sonho
e no jogo em que todo me concentro
mais uma carta sobre a mesa ponho.

Mais outra! É o jogo atroz do Tudo ou Nada!
E quase que escurece a chama triste...
E, a cada parada uma pancada,
o coração, exausto, ainda insiste.

Insiste em quê? Ganhar o quê? De quem?
O meu parceiro... eu vejo que ele tem
um riso silencioso a desenhar-se

numa velha caveira carcomida.
Mas eu bem sei que a morte é seu disfarce...
Como também disfarce é a minha vida!



Noturno I


Essa voz que se escuta de noite
_ nota (ou sílaba?) que se prolonga indefinidamente,
que quer dizer? Que nos quer dizer?
Talvez a nossa vida seja demasiadamente breve para apreender-lhe
o sentido,
talvez nem cante para nós
mas
para
um eterno ouvido... Serão Anjos? Tristes Anjos, que desconhecem
o maravilhoso espanto de viver por um só instante!

(Mário Quintana - Apontamentos de História Sobrenatural Poesias, Circulo do Livro, 1976)

quarta-feira, 21 de maio de 2008

A CASA

Já tinha visto muitas casas, umas boas, outras nem tanto, mas quando cheguei naquela a impressão não foi das melhores: velha, pequena, quintal sem plantas. Mas quando olhei pela janela pensei: é esta! Não deu nem pra disfarçar, o corretor viu logo que a venda estava no papo.

Foram 14 anos, muita coisa mudou, a casa cresceu, o quintal se encheu de plantas, muitas alegrias e, claro, também tristezas.

A paisagem continua linda, passei muitas horas admirando a natureza, me extasiando diante duma manhã de sol, dum dia nublado, do anoitecer, dos pássaros cantando nas amoreiras. Havia a confusão da criançada da rua, das minhas crianças... Mas tudo muda, eu mudei... literalmente.

Saudade faz parte da vida, mas é preciso ir adiante, afinal, como no poema do Pessoa, tudo vale a pena.

Valeu a pena? tudo vale a pena...

MAR PORTUGUÊS


Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

FERNANDO PESSOA/MENSAGEM

sábado, 17 de maio de 2008

Cecília, a voz que sempre me encanta.

INSCRIÇÃO


Sou entre flor e nuvem,
estrela e mar.
Por que havemos de ser unicamente humanos,
limitados em chorar?

Não encontro caminhos
fáceis de andar.
Meu rosto vário desorienta as firmes pedras
que não sabem de água e de ar.

E por isso levito.
É bom deixar
um pouco de ternura e encanto indiferente
de herança, em cada lugar.

Rastro de flor e estrela,
nuvem e mar.
Meu destino é mais longe e meu passo mais rápido:
a sombra é que vai devagar.

(Cecília Meireles, in Mar Absoluto/Retrato Natural, Ed. Nova Fronteira, 1983)

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Vou-me Embora pra Pasárgada

Manuel Bandeira

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive


E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

(do livro "Bandeira a Vida Inteira", Editora Alumbramento – Rio de Janeiro, 1986, pág. 90)

quarta-feira, 14 de maio de 2008

O Mario Quintana dos livros.

Falando em Mario Quintana dos livros parece que há dois Marios. É quase isso. Explico: é que na internet acontece uma coisa muito estranha, são textos que circulam em blogs, sites, emails, e vão adquirindo formas diferentes e até autores diferentes.
Assim, um poema escrito pelo Zé da Esquina pode virar um poema de Fernando Pessoa, um texto da Marta Medeiros vira um poema de Mario Quintana, um post engraçado vira uma crônica de Verissimo. E por aí vai.
Quintana é um dos campeões das trocas. Você já viu publicado, ou recebeu por email, por exemplo, um texto chamado A Idade de Ser Feliz? NÃO, não é do Mario Quintana.
No orkut tem uma comunidade dedicada a isso: "Afinal, quem é o autor?" e tem uns blogs que também falam sobre isso, pretendo colocar uma lista.
Por enquanto, para quem gosta do poeta gaúcho, recomendo o "site do centenário de mario quintana": http://www.estado.rs.gov.br/marioquintana/


POEMA OLHANDO UM MURO

Do
escuro do meu quarto
- imóvel como um felino, espio
a lagarixa imóvel sobre o muro: mal sabe ela
da sua graça ornamental, daquele
verde
intenso
na lividez mortal
da pedra... ah, nem sei eu também o que procuro, há tanto...
nesta minha eterna espreita!
Pertenço acaso à odiada raça dos mutantes?
Ou
sou, talvez
- em meio às espantosas aparências de algum mundo estranho -
um espião que houvesse esquecido o seu código, a sua sigla, tudo...
- menos
a gravidade da sua missão!

(Mario Quintana - Apontamentos de História Sobrenatural Poesias, Circulo do Livro, 1976)

Perguntas.

Escrever pra que, o quê?
Alegrias, tristezas. De tudo um pouco, é a vida.
Mas ultimamente ando triste. Não dessa tristeza que não pára, que dá gritos e anuncia a todos os ventos seu desespero.
É uma tristeza que às vezes sorri, às vezes até se alegra. Engana aos outros, engana a mim mesma. Mas será possível a alegria? Creio que sim, mas é mais um caso pessoal, é um jeito de encarar a vida, uma certa leveza, um certo ar de deboche frente ao excesso de seriedade... uma receita que não se ensina.
Aliás, não sei a receita, mas estou procurando...